Introdução
Nos profusos desafios que se impõem neste contexto contemporâneo, urge anunciar a necessidade da linguagem do movimento e corporeidade como possibilidade para o desenvolvimento integral do ser humano desde a mais tenra idade. Objetiva-se apresentar o papel e a importância da Educação Física no processo educacional especificamente na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Ainda, fomentar a importância da articulação da Educação Física e a infância, no sentido de potencializar ao leitor a compreensão de que essa relação se faz importante principalmente em um contexto que trilha pelos caminhos do sedentarismo ante as novas tecnologias.
Essa discussão tem confluência com o processo de entendimento acerca das concepções de infância e as especificidades das crianças entre 0 e 10 anos, que são os sujeitos participantes das etapas iniciais da educação básica (educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental). Os apontamentos nos indicam a pensar sobre estas especificidades da infância em sintonia com a educação escolar, principalmente no que tange ao corpo, linguagem, movimento e saúde na escola
Por meio deste material, é possível direcionar o trabalho docente em prol de procedimentos e partilhas em relação à Educação Física escolar enquanto porta-voz do desenvolvimento motor da infância escolar e, consequentemente, potencializadora do desenvolvimento humano integral da criança. Para isso, a estrutura didática do texto compõe 3 (três) significativos momentos, a saber: a) Educação Física e as concepções de infância; b) A infância, suas especificidades e a escola; c) O corpo na escola: linguagem, movimento e saúde. Enfim, que essa produção escrita contribua para o processo formativo de professores de modo geral, e, de maneira particular, na Educação Física.
Educação Física e as Concepções de Infância
Ao tratar da Educação Física no contexto atual, novos desafios são colocados em pauta no que se refere à sua importância na escola e na formação integral da criança e educando(a). Para além de ser uma área preocupada com a performance física e estética, a Educação Física tem se constituído enquanto linguagem do corpo, movimento e saúde, que, de certa forma, revela a busca por uma melhor qualidade de vida ante ao sedentarismo estimulado pelas novas configurações sociais, tecnológicas e de consumo de mercadorias. Burgos (2002, p. 160) salienta que “a busca pela qualidade de vida precisa estreitar a relação entre saúde e atividade física, gerando mudanças no estilo de vida e expressando as concepções que se tem de sociedade, educação e sujeito (no caso, a criança)”.
Neste sentido, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018) corrobora com os apontamentos iniciais, ao se referir à Educação Física enquanto processo de “se mover” corporalmente e de como esse processo pode ser constituído pelo fazer no trabalho com a educação da infância. Ainda, a BNCC salienta que esse processo de relação entre Educação Física e infância evidencia o protagonismo infantil e compartilhado com os(as) professores(as) e, portanto, a autonomia de forma a garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento e que se relacionam com os princípios éticos (conhecer-se e de conviver), políticos (expressar e de participar) e, por fim, estéticos (brincar e explorar) (BRASIL, 2018).
Educação física, infância e BNCC
Direito de aprender e desenvolver
A partir dos princípios e objetivos já anunciados nas DCNEI - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010) e agora na BNCC - Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) considera-se que seis grandes direitos de aprendizagem devem ser garantidos a todas as crianças nas turmas de creche ou pré-escolas. Para isso, os direitos estão envolvidos por três princípios: éticos, políticos e estéticos.
Princípios éticos
(Da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades). Direitos de: conhecer-se e conviver democraticamente, com outras crianças e adultos, com eles interagir, utilizando diferentes linguagens, e ampliar o conhecimento e o respeito em relação à natureza, à cultura, às singularidades e às diferenças entre as pessoas.
Princípios políticos
(Dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática). Direitos de: expressar e participar com protagonismo, tanto no planejamento como na realização das atividades recorrentes da vida cotidiana, na escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo linguagens e elaborando conhecimentos.
Princípios estéticos
(Da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais). Direitos de brincar e explorar: brincar é a forma como as crianças constroem o sentido do mundo e é uma atividade eficaz de aprendizagem delas. Na brincadeira, ideias e habilidades tornam-se significativas; ferramentas para a aprendizagem são praticadas; e os conceitos são compreendidos.
Para que os direitos de aprender e de se desenvolver da criança sejam assegurados pela Educação Física, é necessário estabelecer os fundamentos teórico-metodológicos necessários para o trabalho docente na educação infantil e ensino fundamental de maneira lúdica e potencializador da curiosidade infantil. Neste sentido, o corpo é porta-voz dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos. A criança, desde cedo, deve explorar o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno por meio do estabelecimento das relações, expressões infantis e ludicidade, de modo a produzir conhecimentos sobre si, sobre o outro e sobre o universo social e cultural, tornando-se progressivamente consciente dessa corporeidade.
FIQUE POR DENTRO
O brincar e se movimentar como expressão fundamental para a curiosidade da criança
Essa reflexão é fruto de um trabalho de dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Santo Maria (UFSM), que objetiva analisar a curiosidade na vida da criança e evidenciar a importância do “brincar e se-movimentar” como expressão fundamental para o fomento de si mesma. Para Souza (2015), a criança possui uma curiosidade natural, principalmente por meio da relação corpo e brincadeiras espontâneas. Fique por dentro, acessando o link a seguir.
Fonte: Adaptado de Souza (2015).
A Educação Física é porta-voz do fomento ao movimento criativo, inventivo e livre da criança em sintonia com o corpo e suas descobertas. Para tanto, questiona-se: a) como a Educação Física precisa compreender a infância e a criança?; b) de que forma essa relação se estabelece na promoção desse “mover-se corpo” no mundo? Diante disso, em relação à compreensão da infância e da criança, pode-se pensar à luz de diversos fundamentos teóricos. No caso desta discussão, opta-se por uma concepção fundamentada pela relação do agir infantil e da formação de sua humanidade.
Nessa perspectiva, a criança deve ser concebida como pessoa, como cidadã, a qual é determinada pelos aspectos históricos, econômicos, políticos e socioculturais do meio em que se insere e estabelece relações interpessoais. É, portanto, um sujeito que tem direito a uma educação de qualidade, saúde, alimentação e moradia, para que realmente possa exercer a cidadania. Esse novo paradigma se deve aos inúmeros fatores, tais como: o avanço da ciência e das pesquisas em todas as áreas do conhecimento nas últimas décadas, a contribuição da legislação, a própria mudança na estrutura familiar e a reivindicação da população civil sobre a necessidade da expansão das instituições voltadas à educação da infância (OLIVEIRA, 2002).
Ainda, a vibrante capacidade de a criança interagir com parceiros diversos em diferentes situações – como no almoço, nas brincadeiras, nas atividades educativas dirigidas e na hora do sono – revela um mundo que precisa ser melhor priorizado pelos adultos, no caso os(as) professores(as) da escola infantil em relação ao corpo infantil e sua linguagem revelada por meio de gestos e movimentos, que, de certa forma, potencializam o seu desenvolvimento integral.
FIQUE POR DENTRO
Os benefícios da atividade física para o desenvolvimento infantil
Desde a mais tenra idade, a criança precisa ser estimulada em todos os sentidos, principalmente no que se refere ao desenvolvimento infantil de maneira integral. Assim, a discussão desse trabalho monográfico nos potencializa a repensar como vem sendo desenvolvida a relação da Educação Física na infância e com a criança em processo de desenvolvimento, bem como seus benefícios. Ainda, apresenta alguns benefícios da atividade física na infância, principalmente por meio das habilidades motoras, manipulativas e estabilizadores do movimento. Fique por dentro, acessando o link a seguir.
https://repository.ufrpe.br/bitstream/123456789/1364/1/tcc_yhagohenriquesalvinovanderlei.pdf
Fonte: Adaptado de Vanderlei (2019).
Desse modo, a forma de apresentação do mundo para as crianças é parte do compromisso da escola e dos profissionais dos diferentes campos do saber, de modo a garantir a aprendizagem e o desenvolvimento infantil pelo ensino. No caso da Educação Física, é responsabilidade dela atentar-se para o tempo das crianças, que é diferente do tempo dos adultos, ou seja, “[...] o tempo da criança é um tempo sem pressa, um tempo do prazer, da observação lenta, do fazer descobrindo... e para isso as crianças precisam de tempo” (MELLO, 2019, p. 97).
Desse modo, ao relacionar a Educação Física e a infância, busca-se refletir sobre o corpo e movimento em sua totalidade enquanto agir no mundo por meio de significados do próprio mundo. Assim, esta relação precisa ser envolvida pela expressão subjetiva e integral da criança e, para isso, necessita ser rica e significativa a fim de garantir um lugar para que as crianças (independente de suas limitações humanas) possam manipular, experimentar, interagir, se relacionar, exercitar e envolver de maneira autônoma.
Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.) (BRASIL, 2018, p. 41).
Assim, na educação da infância (educação infantil e anos iniciais), a Educação Física precisa potencializar, por meio das práticas corporais, de gestos e movimentos, a garantida centralidade do corpo das crianças enquanto território, o qual é vivido por meio do cuidado físico, da liberdade de ação, da expressividade criativa, da subjetiva humana e, portanto, de emancipação.
A Infância, suas Especificidades e a Escola
A infância é um tempo de experiência vital pela qual a criança vivencia, que é compartilhada e experimentada de várias maneiras, sendo composta por um misto de complexidade e sutileza. Talvez, pouco ou quase nada permite vivê-la intensamente como nos tempos em que foi e é possível.
Em Kohan (2007), a infância exige pensar numa temporalidade para além do tempo “normal” da existência humana, das etapas da vida e das fases do desenvolvimento, que, de certa forma, ocupam um lugar de debilidade. Está mais articulada a uma possibilidade de intensificar certa relação com o tempo, de instaurar um outro tempo e de se envolver num círculo repleto de intensidades. De antemão, “o tempo infantil, é o tempo circular, do eterno retorno, sem a sucessão consecutiva do passado, presente e futuro, mas com a afirmação intensiva de um outro tipo de existência” (KOHAN, 2007, p. 114).
Benjamin (1985) revela uma infância que considera a criança como sujeito envolvido pela complexidade da trama social, imersa na problemática histórica de seu tempo. Na contramão do olhar, em Benjamin, é possível ver o tempo da infância a partir do que ela tem, e não do que lhe falta: “como presença, e não como ausência; como afirmação e não como negação, como força, e não como incapacidade” (KOHAN, 2007, p. 101). Essa mudança de percepção promove a inter-relação dos temas “tempo, infância e experiência”, em sintonia com nascimentos e novos inícios para o pensamento, para o pensado e para o não pensado nesta terra comum.
Com uma visão peculiar, o autor direciona para a construção de outra racionalidade, diferente daquela empregada pela modernidade, desde que essas noções sejam analisadas a contrapelo, isto é, de forma crítica, considerando as contradições que lhe são inerentes. Por fim, busca-se articular elementos para uma educação da infância como resistência a essa temporalidade numa perspectiva crítica imanente da própria modernidade.
Diante disso, ao tratar da infância, suas especificidades e inter-relações com a escola (educação infantil e anos iniciais), é possível vislumbrar uma compreensão digna de atenção, principalmente no que se refere à organização do trabalho pedagógico docente de modo geral e, em específico, da Educação Física. Por conseguinte, as crianças precisam expressar livremente seus medos, inseguranças, leituras de mundo, impressões e hipóteses. Além disso, precisam ter espaços para conhecer, perguntar, elaborar hipóteses, estabelecer relações e aprender de maneira real e significativa. Do parque de areia, com seus balanços construídos nas grandes árvores enquanto cenário lúdico para as crianças, às salas de referência, todas as organizações expressam como vemos, percebemos e pensamos ser a criança e sua aprendizagem.

Fonte: Ferli / 123RF.
Entretanto, muitos(as) professores(as) veem a infância apenas como um período de carências (afetivas, físicas e sociais), dado que as maneiras próprias da criança agir e interagir nem sempre são levadas a sério. Submetidas desde cedo às imposições dos adultos ou paparicadas e/ou deixadas à deriva em seu desenvolvimento, as crianças pequenas são privadas de um ambiente organizado e intencionalmente planejado.
Diante disso, o cotidiano na educação infantil, também conhecido por rotinas pedagógicas, muitas vezes é organizado por um conjunto de ações culturalmente tradicionais que evidencia os hábitos consolidados em relação à inércia institucional e hábitos indiscutíveis, frutos da tradição e de um saber consolidado na prática, que, de certa forma, impedem a compreensão, pelos profissionais envolvidos, dos elementos constitutivos desse cotidiano.
Em contradição a esse tipo de concepção da infância na escola, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil – DCNEI (Resolução CNE/CEB nº 5/2009), em seu artigo 4º, definem a criança como:
[...] sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (MEC, 2009, on-line).
Desse modo, cabe à escola e ao professor de Educação Física mediar e enriquecer a experimentação das crianças, potencializando o corpo em relação ao espaço com objetos diferentes, ensinando as crianças a resolver os conflitos que surgirem (ou seja, resolver com elas, e não por elas), a guardar os objetos e a cuidar deles, separando os quebrados e lavando os que estiverem sujos, de forma a envolver a linguagem do corpo de maneira efetiva.
REFLITA
Educação física, infância e seus desafios
Essa questão é um ponto nevrálgico na escola. Ainda temos uma preconcepção da Educação Física somente como área do lazer e da estética corporal. O desafio maior se dá quando articulamos essa área com a infância, visto que essa relação é, em sua maioria, restringida à ação espontaneísta e sem objetividade. Diante disso, reflita: quais os benefícios da relação entre Educação Física e infância em prol do desenvolvimento infantil?
Fonte: Elaborado pela autora.
É importante lembrar que as crianças estão aprendendo o tempo todo. Elas não aprendem só quando estão na sala de aula e muito menos só com atividades com lápis e papel. As atividades de rotina são fontes importantes da aprendizagem das crianças assim como o brincar, daí a compreensão da especificidade da educação infantil e do sujeito nesse contexto social atual.
À medida que vamos desenvolvendo nosso trabalho diário, vamos buscando alternativas educativas com as crianças, que, cada vez mais, envolvem em suas descobertas a capacidade brincante do saber. Nesse sentido, a educação infantil precisa se envolver no processo de formação da cidadania dos brasileiros, contribuindo efetivamente para o processo de emancipação da criança pelo caminho da aprendizagem e desenvolvimento integral, com olhares para a igualdade e diversidade.
Nesse prisma, há a necessidade de um trabalho coletivo entre os profissionais envolvidos na educação da infância em prol de uma educação com mais significado e coerência, com um conhecimento cientificamente elaborado e com os campos de experiência, seja por meio da relação entre professores e crianças ou entre escola e família. Assim, o papel da escola está na organização de formas mais adequadas para a integração dos pais aos propósitos da educação infantil em favor da melhoria do ensino.
O Corpo na Escola: Linguagem, Conhecimento e Saúde
Ao tratar do corpo na escola, é preciso direcionar para a compreensão do corpo enquanto fenômeno de linguagem, conhecimento e saúde pelo componente de se mover corporalmente de maneira subjetiva e, consequentemente, proporcionando uma aprendizagem significativa das atividades e exercícios físicos e práticas corporais.
A partir disso, é necessário que haja uma compreensão do corpo infantil enquanto presença no mundo e com a forma de agir peculiar de cada criança, que é motivada pela ação de liberdade, que se movimenta, que fala, que tem pensamentos e leituras de mundo, que interage com o outro, que tem expressões do contexto social em que vive, que dá risada e que chora, sendo que seu choro se mistura com os sentimentos de alegria, frustração, desejo, raiva, amor... Desse modo, é um corpo infantil vivo que reage ao mundo exterior, internalizando conceitos que, em outro momento, serão externalizados por ela mesma.
Nesse processo, o corpo infantil enquanto linguagem, movimento e saúde precisa de um lugar para a invenção, liberdade de criação e resistência ao que está instituído, intervenção que possibilita desmontar o andaime de ideias, filosofias e ideologias que norteiam as atuais controladoras práticas pedagógicas da educação infantil e cerceadoras do conhecimento e da vida.
Há, desse modo, a necessidade de inventar novas formas de pensar na educação para as crianças pequenas e maiores, diferentes daquilo que está imposto, e construir uma escola como um espaço de criação, de invenção, de vivência e, portanto, de possibilidade infantil, mediada por professores engajados nesse processo. Benjamin (1997) já alertava sobre o modo como a criança constrói seu universo particular, dando outra significação ao cotidiano. O sensorial, frequentemente empobrecido na experiência dos adultos, torna-se, para a criança, uma realidade que anula a diferença entre objetos inanimados e seres vivos.
As crianças são inclinadas de modo especial a procurar todo e qualquer lugar de trabalho onde visivelmente transcorre a atividade sobre as coisas. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelo resíduo que surge na construção, no trabalho de jardinagem ou doméstico, na costura ou na marcenaria. Em produtos residuais reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e para elas unicamente. Neles, elas menos imitam as obras dos adultos do que põem materiais de espécie muito diferente, através daquilo que com eles aprontam no brinquedo, em uma nova, brusca relação entre si. Com isso, as crianças formam para si seu mundo de coisas, um pequeno no grande, elas mesmas. Seria preciso ter em mira as normas deste pequeno mundo de coisas, se se quer criar deliberadamente para as crianças e não se prefere deixar a atividade própria, com tudo aquilo que é nela requisito e instrumento, encontrar por si só o caminho que conduz a elas (BENJAMIN, 1997, p. 18).
O caminho pedagógico está na libertação de nossas crianças das salas enclausuradas e estéreis, direcionando-as para novos ambientes e novas descobertas. Lugares em que as crianças podem ser mais atraídas para a aventura do saber, principalmente por serem mais fascinadas pelas atividades feitas nos pátios e parquinhos do que dentro das salas de aula. Esses são lugares de liberdade e de amplitude de possibilidades para descobrir e se desafiar enquanto presença no mundo, as quais são, consequentemente, motivadoras do movimento e saúde enquanto qualidade de vida.
Nesse movimento, cabe à escola e ao professor comprometido com a aprendizagem e desenvolvimento infantil, envolver suas crianças em vivências e experiências voltadas às descobertas e aventuras fascinantes pelo saber por meio da expressão corporal enquanto linguagem do movimento. Para isso, destaca-se o trabalho pedagógico docente voltado ao brincar, jogar, imitar e criar ritmos e movimentos como possibilidade e apropriação do repertório da cultura corporal na qual a criança está inserida.
Sobre isso, novamente Barros (2010) nos envolve com sua ardente fascinação pela vida e natureza. Não há como resistir aos seus encantos poéticos a fim de traduzir essa liberdade e expressividade do agir infantil que propomos neste ensaio. E, assim, ele descreve:
Os bens do poeta
um fazedor de inutensílios,
um travador de amanhã,
uma teologia do traste,
uma folha de assobiar,
um alicate cremoso
uma escória de brilhantes,
um parafuso de veludo
e um lado primaveril (BARROS, 2010, p. 140)
Desse modo, a forma como apresentamos o mundo para as crianças é parte do nosso compromisso e intencionalidade pedagógica. O vibrante entusiasmo de Barros (2010) revelada na poesia potencializa a escola e aos professores a busca do lugar do conhecimento em sintonia com a expressividade infantil por meio da linguagem corporal e do movimento. Nesse prisma, Angotti (2006, p. 21) sinaliza que o corpo infantil precisa ser “entendido enquanto primeiro brinquedo e instrumento de ludicidade infantil, enquanto ferramenta fundamental para as leituras interpretativas do mundo”.
Para isso, é necessário pensar em uma organização escolar e curricular que contemple a Educação Física enquanto possibilidade dessas experiências. No caso da educação infantil, permeada pelos campos de experiência, um dos campos que interessa nesse contexto é o do corpo, gestos e movimentos, que, de certa forma, está atrelado à Educação Física propriamente dita. A partir da base, esse campo revela a importância de as crianças viverem experiências com diferentes linguagens, como a dança e a música, por meio da exploração do espaço com o corpo e diferentes formas de movimentos (BRASIL, 2018).
FIQUE POR DENTRO
O lugar do corpo no trabalho docente voltado à infância
Essa discussão é uma palestra proferida no dia 9 de outubro de 2020 pela professora mestre Graciela Tabak, da Argentina, no IV Simpósio Nacional e I Simpósio Internacional de Infância, Educação e Teoria Crítica pela Universidade Estadual de Londrina e Universidade do Extremo Sul Catarinense. A discussão suscitou um olhar para o corpo enquanto expressão do movimento em sintonia com a arte, corporeidade e dança. A palestrante priorizou o corpo infantil envolvido pelo protagonismo compartilhado entre professores e crianças na educação infantil. Saiba mais no link a seguir.
https://www.youtube.com/watch?v=R9TZ8HAgmy4
Fonte: Elaborado pela autora.
Em relação aos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), propõe-se as unidades temáticas envolvidas por: brincadeiras e jogos, esportes, ginástica, danças, lutas e práticas corporais de aventura.
Em conformidade com a BNCC, a Educação física precisa valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, com a necessária articulação entre as experiências vivenciadas na educação infantil e os campos de experiência.
Tal articulação precisa prever tanto a progressiva sistematização dessas experiências quanto o desenvolvimento, pelos alunos, de novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las, de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos. Nesse período da vida, as crianças estão vivendo mudanças importantes em seu processo de desenvolvimento que repercutem em suas relações consigo mesmas, com os outros e com o mundo (BRASIL, 2018, p. 58).
Nesse prisma, a Educação Física nos anos iniciais precisa garantir, enquanto unidade temática, os conteúdos potencializadores dos eixos norteadores da prática pedagógica, que são: brincadeiras e interações entre crianças-adultos e crianças-crianças.
FIQUE POR DENTRO
Brincadeiras pelo Brasil
As brincadeiras pelo Brasil retratam a realidade de vários contextos de infância e movimento pela expressão livre do brincar. Reúne um arcabouço substancial de experiências pelo território lúdico vivido por crianças de diferentes etnias, classes sociais, econômicas e culturais. Das experiências de crianças, as brincadeiras podem ser registradas por momentos brincantes, como: brincadeiras das meninas, bicudas, brincadeira do toco, bica, carrinhos de latas, entre outras formas de viver corporalmente no mundo e com o mundo por meio da expressão lúdica e livre da infância. Saiba mais no link a seguir.
https://territoriodobrincar.com.br/brincadeiras-pelo-brasil/.
Fonte: Elaborada pela autora.
A partir disso, as vivências dão margem a novos encontros, diálogos e favorecem o exercício amplo da liberdade, além de possibilitar embates, oposições a movimentos individualistas, criação de novas regras para os jogos ou simplesmente a contemplação da natureza de maneira lúdica e interativa. Na contramão do mundo adulto e da própria educação institucional, a criança vai em busca de outros aliados, que são encontrados facilmente no mundo dos fenômenos. Apropria-se com interesse e paixão de tudo o que é abandonado e aprende, assim, a fazer história da história. Parece querer nos mostrar que a educação institucional se priva de sua função, que é a indagação e o espírito crítico para assumir um saber fingido. Por isso, a criança se lança a uma aprendizagem paralela e clandestina, em que o lúdico, a criatividade, a arte, a imaginação e a experiência mantêm uma estreita relação entre a criança e o mundo do saber.

Fonte: Engdao Wichitpunya / 123RF.
Destarte, além desses preceitos enunciados no texto, a escola precisa fomentar a rotina de atividades físicas, recreativas e de movimento, tanto em aulas de Educação Física quanto em outros momentos, os quais podem ser planejados em seu interior, como: gincanas e projetos envolvendo atividades relacionadas ao esporte para as crianças, atividades recreativas e lúdicas, entre outras ações. A atividade física, nesse prisma, revela a sintonia com a saúde e bem-estar físico, psíquico e social das crianças, contribuindo para seu bem-estar e uma vida infantil de mais qualidade. Para discutirmos o que é atividade física e/ou exercício físico, é necessário, primeiramente, atentarmos para o conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial de Saúde, que afirma ser um: “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006 apud BEZERRA et al., 2020, p. 13). Diante disso, urdidos por uma inquietação sobre a vida e saúde das crianças, anunciamos que é papel da escola enquanto instituição formativa potencializar essas experiências.
REFLITA
A Educação Física escolar na infância e na adolescência
Em crianças e adolescentes, um maior nível de atividade física contribui para melhorar o perfil lipídico e metabólico e reduzir a prevalência de obesidade. Ainda, é mais provável que uma criança fisicamente ativa se torne um adulto também ativo. Diante disso, reflita: como a escola e o(a) professor(a) de Educação Física podem contribuir para o desenvolvimento dessas habilidades e competências?
Fonte: Elaborado pela autora.
Ao atrelar a Educação Física e infância, permite-se pensar no corpo e na escola potencializada pela linguagem, movimento e saúde. Essa relação, de fato, imprime o compromisso escolar e docente em relação à saúde física e psíquica da criança em favor da satisfação, sensação de prazer, motivação e bem-estar. Destarte, as crianças e suas infâncias precisam ser estimuladas a conhecer e dominar o próprio corpo enquanto vida e presença no mundo e com o mundo de maneira livre e ativa. O desafio é pensar na presença envolvida por uma educação de liberdade e expressividade infantil.
Indicação de leitura
Educação Física, infância e saúde em discussão: coletânea de estudos
Autores: Evandro Salvador Alves de Oliveira e António Camilo Cunha (org.)
Ano: 2020
Editora: Navegando
ISBN: 978-65-81417-14-7
Comentário: a abrangência da coletânea Educação Física, infância e saúde reflete a riqueza e a pluralidade da Educação Física como área de conhecimento. Cada capítulo é uma história bem contada, com conteúdo relevante e atualizado, que auxiliará na formação de estudantes e profissionais da área. A parte 1 do livro é composta por 4 capítulos dedicados a apresentar o exercício físico em uma perspectiva voltada à saúde. A parte 2 trata da criança e sua relação com o brincar. A parte 3 do livro é voltada à formação estudantil.

Considerações Finais
Ao retomar as discussões deste texto, novos desafios acerca da Educação Física, infância, movimento e saúde são colocados em pauta. As estratégias utilizadas de estímulo à atividade física precisam ser acionadas pela escola enquanto possibilidade de presença ativa da criança no mundo e com o mundo. Além disso, podemos desenvolver um trabalho conscientizador da saúde infantil, reivindicando uma melhor qualidade de vida para as nossas crianças.
Por meio do olhar abrangente que permite entender a relação da Educação Física e a infância, há o entendimento de que as qualidades ligadas à linguagem do corpo e movimento estimulam na criança a inteligência e a constituição das personalidades humanas, sendo essencial o papel do(a) professor(a) nesse cenário.
Atividade
Ao tratarmos da relação entre a Educação Física e a infância no contexto contemporâneo, é importante afirmar que essa relação faz parte de um processo social, histórico, cultural e educacional. Nesse sentido, conforme a sociedade sofre alterações nesses quesitos, a área relacionada à linguagem do corpo, movimento e infância terão, consequentemente, efeitos de mudança. Para isso, é importante:
Pensar na Educação Física como uma área de atuação específica para os anos iniciais, ou seja, para o ciclo I do ensino fundamental.
Incorreta. A Educação Física consiste no “mover-se corporal” da criança, sendo uma área de atuação desde a mais tenra idade, portanto, não está limitada somente aos anos iniciais, já que está presente desde a educação infantil, principalmente quando pensamos na prática de estimulação dos bebês
Pensar na infância enquanto possibilidade e presença no mundo e com o mundo, não somente como um dado biológico, mas principalmente social.
Correta. A infância é um dado biológico e social e, conforme muda a sociedade, as formas de ver e conceber vão sendo alteradas. Desse modo, antes de qualquer ação da Educação Física, é preciso ter clara a concepção que se tem de infância e de criança.
Pensar na criança como sujeito de direitos a receber atividades físicas, desde que ela tenha uma performance motora desenvolvida.
Incorreta. A Educação Física precisa ser uma linguagem voltada ao corpo e movimento que se expressa de diferentes formas, em sintonia com as especificidades das crianças e com sua subjetividade humana. Assim, independentemente das limitações que venham a surgir, todas as crianças têm o direito de vivenciar situações ricas em movimento e aprendizagem.
Pensar que a Educação Física na infância está mais atrelada ao lazer e ao espontaneísmo, sem necessidade de uma intencionalidade de professor.
Incorreta. A Educação Física é uma área do conhecimento tão importante quanto qualquer outra área. Precisa ser reconhecida em espaços escolares como uma forma corporal de a criança ler e expressar o mundo à sua volta. Desse modo, há a necessidade de intencionalidades docentes e objetivos de aprendizagem.
Pensar na infância enquanto dado biológico que precisa ser desenvolvido em relação às faixas etárias meramente.
Incorreta. A Educação Física, quando reduzida à faixa etária das crianças em desenvolvimento, acaba negando as peculiaridades da infância e os possíveis estímulos sociais do universo infantil. Ainda, acaba estereotipando comportamentos de crianças e definindo padrões quando esse olhar está condicionado à idade da criança. Para isso, é preciso pensar na sua condição humana e social que participa das relações humanas e reinventar suas formas de agir no mundo de maneira singular.
Atividade
Ao tratar da infância, suas especificidades e inter-relações com a escola (educação infantil e anos iniciais), é possível vislumbrar uma compreensão digna de atenção no que se refere ao trabalho docente de Educação Física. Nesse sentido, ao elaborar as propostas relacionadas aos conteúdos da área, é preciso garantir às crianças um lugar que:
Possibilite aulas de Educação Física adequadas, por meio de quadras cobertas ou não e com o uso de exercícios tradicionais e repetitivos.
Incorreta. O mundo fascinante do movimento precisa garantir um lugar de descobertas e alegrias por meio da ação da criança no mundo, independentemente do espaço físico. Assim, qualquer lugar na escola ou fora dela pode ser um lugar de desafios, estímulos e aprendizagem por meio do novo
Possibilite à criança expressar livremente seus medos, inseguranças, leituras de mundo, impressões, hipóteses, desafios e descobertas pela presença corpo-mundo.
Correta. Pois a Educação Física precisa considerar as especificidades da criança e suas formas peculiares de ver o mundo. A partir disso, cada professor vai criando objetivos de aprendizagem e estratégias didáticas e metodológicas para garantir essa amplitude livre de desenvolvimento infantil.
Possibilite a recreação por meio de competições entre crianças a fim de garantir o seu melhor desempenho e, também, que elas sejam premiadas por isso.
Incorreta. A Educação Física está além de encontrar as crianças com melhor desempenho e, tampouco, de ser uma linguagem competitiva do conhecimento. Ao contrário, a Educação Física precisa ser guiada pelos pressupostos humanistas e de acolhimento à criança e suas aprendizagens por meio da cooperação do grupo.
Possibilite à criança fazer o que quer, já que a Educação Física se remete ao lazer e à motivação de maneira alegre e espontaneísta.
Incorreta. A Educação Física, ao respeitar a infância e suas especificidades no que tange ao processo de movimento livre e libertador da criança, precisa ter propostas internacionalizadas aos saberes escolares e conteúdos relacionados aos objetivos de aprendizagem.
Possibilite a descoberta fascinante por meio de exercícios rotineiros de motricidade, pois a sua repetição garante o desenvolvimento motor.
Incorreta. A Educação Física precisa ser uma área do conhecimento que desperta o desejo das crianças pelo uso do corpo enquanto expressão corporal diante do mundo. Para isso, as propostas precisam ser diversificadas, criativas e lúdicas, o que está longe de exercícios rotineiros e repetitivos do movimento.
Atividade
Ao tratar do corpo na escola, acredita-se que isso consiste em um grande desafio, principalmente no contexto regido pela prática do corpo parado e sedentário da sociedade multitela. Nesse sentido, a escola e o professor de Educação Física precisam direcionar seus trabalhos pedagógicos para a compreensão do corpo enquanto fenômeno de:
Linguagem motora fina, já que a sociedade das telas exige das pessoas somente as habilidades dos dedos e do intelecto, enquanto o corpo continua parado e sem movimento.
Incorreta. A Educação Física precisa fomentar a linguagem, o movimento, o conhecimento e saúde como forma de resistência ao contexto multitela, o qual tem aprisionado crianças dentro de quartos e outros espaços fechados sem garantia ao livre movimento infantil
Linguagem do movimento e ação no mundo de maneira livre e expressiva da infância e, ainda, de conhecimento, saúde e mais qualidade de vida para as crianças, garantindo seu desenvolvimento humano e integral.
Correta. Pois é por meio da linguagem do movimento e ação livre no mundo que se pode compreender a Educação Física como um campo do conhecimento a ser investigado e partilhado com outras áreas, como é o caso da saúde dos indivíduos.
Linguagem regida por exercícios físicos voltados às áreas de interesse das crianças. Ex.: as crianças que gostam de futebol podem optar por essa habilidade, sem ter que cumprir outras atividades físicas.
Incorreta. A linguagem do movimento, conhecimento e saúde precisa priorizar a diversidade de experiências a fim de que a criança possa explorar vários aspectos do desenvolvimento.
Linguagem da motricidade e recreação por meio exclusivo de jogos e brincadeiras, pois não há outra forma mais importante do que jogar e brincar.
Incorreta. Os jogos e brincadeiras consistem em uma das linguagens relacionadas ao movimento, mas não são a única. Outras formas de se mover corporalmente no sentido de enriquecer esse campo fértil do desenvolvimento podem ser experienciadas na escola, como: dança, luta, esportes, ginásticas, entre outras.
Linguagem exclusiva da área da saúde física dos sujeitos, atendendo prioritariamente às crianças que se encontram em situações de obesidade e sedentarismo, sendo esses os fatores de maior relevância.
Incorreta. Além dessas linguagens, outras formas de manifestação do corpo podem ser evidenciadas, envolvidas pela totalidade da vida infantil que, desse modo, é regida pela linguagem física, motora, psíquica, social, afetiva e do bem-estar, independentemente da situação em que a criança está e vive.